Observatório de violência nas escolas: representações, vínculos e estratégias.                                             

Sergio Kodato[1], Manoel Antonio dos Santos[2], Antonio dos Santos Andrade[3].

O incremento do fenômeno ‘violência nas escolas’ é algo visível; sendo representado no plano da produção pedagógica e no imaginário escolar, através dos baixos índices de aproveitamento e desempenho; da multiplicação de episódios de agressão direta e psicológica, bem como, desrespeito às regras e à autoridade constituída. O objeto ‘violência nas escolas’ é situado, por Debarbieux, no campo das “incivilidades”, práticas desviantes de indisciplina que se apresentam como reativas ao restritivo processo educativo. Blaya indica para o fenômeno do “bullying”, a intimidação e humilhação do mais fraco ou diferente, tomado como “vítima sacrificial” (Girard), como “bode expiatório” (Pichon-Rivière), para a necessária “catarse do terror” (Artaud) e da agressividade recalcada. Essa pesquisa buscou investigar representações sociais de violência escolar, bem como as práticas pedagógicas de atenuação e prevenção do fenômeno entre professores e educadores, de escolas públicas. Projetou-se um dispositivo de pesquisa, denominado Observatório, que congrega um conjunto de 30 (trinta) professores, voltados para a investigação do fenômeno ‘violência nas escolas’, em seus aspectos históricos, estruturais, morfológicos e funcionais. Referenciou-se no método de análise das representações sociais, sistematizado por Moscovici, Jodelet, Arruda, Sá, que se baseia na análise das práticas discursivas dos sujeitos na instituição escolar. Como procedimento, foram realizadas 05 (cinco) sessões, de grupos focais com os trinta professores e educadores envolvidos, divididos em dois segmentos de 15 (quinze). Os grupos tinham como tarefa a discussão em torno da temática da violência escolar.  Os resultados parciais apontam para os seguintes eixos temáticos recorrentes e significantes: a) As representações de violência estão associadas a ocorrências de: destruição do patrimônio escolar; artefatos explosivos, geralmente em banheiros; desrespeito e zombaria à figura de autoridade, bem como às regras; violência no campo moral, através de palavras e termos de baixo calão; agressividade física e direta. b) Em escolas, onde a gestão e direção são frágeis ou ausentes, os professores abdicam do manejo, da gestão do ensino e diante da impotência pedagógica, desânimo e desgaste mental, na sala de aula acaba por predominar um clima ‘dominado pelos alunos’. c) Em escolas com direção autoritária e centralizadora, não ocorrem episódios graves de indisciplina e violência, mas violência simbólica, crueldade associada a fins idealistas, intensa produção de doenças psicossomáticas, que redundam em faltas e licenças médicas. d) os professores não vislumbram possibilidades de superar a atual situação de violência escolar, representam-na como inexorável, inerente aos tempos atuais de criminalidade crescente, deterioração da autoridade e instituição pública. 

Palavras-chave: Observatório, violência escolar, instituição pública. 

1. Introdução

No II Congresso Internacional de Violência nas Escolas, no contato com Eric Debarbieux, Catherine Blaya, do Observatório Europeu; Miriam Abramovay e Jorge Wertheiner, do Observatório Brasileiro; Luz Maria Velásquez, do Observatório do México que conseguimos um entendimento parcial e instrumental do objeto epistêmico “violência nas escolas”. No exame de pesquisas de diversos países, foi ficando claro, esse objeto e tema, em seu caráter “universal e particular”, em seu compromisso social e político, por “práticas exemplares de prevenção de violência” e a reflexão ética necessária a respeito da natureza do suposto saber produzido, “um conhecimento prudente para uma vida decente” (BOAVENTURA, 2000).

Enquanto universal, o objeto é referido por Debarbieux (1997) no campo das “incivilidades”, práticas desviantes de indisciplina que se apresentam como reativas ao processo educativo escolar. Abramovay (2002) chama a atenção para o fenômeno do bullying, a intimidação e humilhação do mais fraco ou diferente, tomado como “vítima sacrificial” (GIRARD, 1991), como “bode expiatório” (PICHON-RIVIÈRE, 1987), para a necessária “catarse do terror” (ARTAUD, 1990). Segundo Sposito (2001, p.100), “[...] a própria escola enquanto campo de conflitividade configura a interação entre jovens e instituições do mundo adulto, deve ser investigada e submetida à crítica”.

A história do objeto-tema “violência nas escolas” tem como referência um marco fundamental, o episódio do massacre de “Columbine”, multiplicado mimeticamente inclusive em nosso país. Nesse episódio, dos Estados Unidos dois alunos adolescentes vestidos de preto, com armas sob capas pretas, invadiram a escola e assassinaram doze alunos e uma professora. As investigações apontaram para o fato de que eram alunos vítimas de bullying, de humilhação cotidiana e tramaram a vingança durante longo tempo.

Há que se pensar a violência na escola como expressão, representação desse embate de diferenças no palco de um espaço público depauperado e degradado pela formação social e econômica. Como fenômeno particular, tínhamos como hipótese se não estaria em curso, em algumas escolas brasileiras, um processo de “criminalização de episódios de indisciplina”; uma espécie de exagero, no plano imaginário, de fatos banais que eram aumentados no plano das representações e acabavam assustando. O que poderia estar impulsionando esse exagero na representação da indisciplina? Em primeira instância, o imaginário do medo, a constante veiculação da violência, a pouca ação das instituições, uma sensação de vulnerabilidade, de risco e um sentimento de insegurança e impotência.

No plano das chamadas “práticas exemplares”, o compromisso com a intervenção, tendo em vista melhores condições de ensino, apontou para a problemática da prática pedagógica, tida e percebida como insatisfatória, por alunos e por parcela significativa de docentes. Patto (1987), chama a atenção para a “qualidade do vínculo pedagógico”.

O projeto envolveu um grupo de trinta professores em dez escolas desenvolvendo projetos de pesquisa na relação entre ensino e violência. Os professores foram instados a realizarem suas pesquisas nos sites de busca científica na web; freqüentarem um grupo de discussão virtual para orientação à distância, apresentarem suas pesquisas em seminários realizados, através do projetor multi-mídia, o que causou todo um movimento de assimilação, resistência e acomodação com relação às tecnologias do virtual, no sentido de Lévy (2001). Pode-se dizer que a trajetória e movimento dos professores em direção às tecnologias do virtual e às novas formas de informação e inteligência, re-atualiza as dificuldades do homem comum diante da tecnologia sofisticada; espanto, indignação, incapacidade, sentimento de inferioridade e tentativas corajosas.

Encontramos casos em que a representação do computador é como de um “monstro ameaçador”, remontando aos primórdios da Revolução Industrial, em que a máquina industrial desencadeava sentimentos de medo, hostilidade, ódio e veneração. Pode se dizer que as representações de pesquisa científica em determinados segmentos encontram-se num momento pré-paradigmático, não articulam o sistema que compõe a instituição ciência, o desenvolvimento tecnológico, a formação da mão de obra e o ensino fundamental. Essa pesquisa retrata e representa as dificuldades inerentes a reassimilação ou assimilação do método científico, aplicado às ciências humanas e pedagógicas num contexto de transição do pré-moderno para o moderno.

Mas as experiências realizadas com o projetor multi-mídia em sala de aula, na escola pública, a preparação das comunicações de pesquisa no software Power Point, a possibilidade de filmar e fotografar suas próprias aulas e utilizar imagens e sons como recursos didáticos permitiram suspeitar da viabilidade da didática multi-mídia e da modernização do ensino na escola pública. A representação social (MOSCOVICI, 2003) do professor na escola pública atual é pré-moderna, ancorada na repetição e falação, não anima e nem desanima, unicamente convida à indisciplina e aos ritos de carnavalização do ensino. Logicamente que deve se ressaltar a existência de um grupo significativo, em maior ou menor número, dependendo de aspectos conjunturais de cada escola, de idealistas e abnegados buscando produzir e transmitir conhecimento e sabedoria.

2. Objetivos

Estabelecer uma rede de pesquisa e prevenção em violência institucional, na região compreendida pelas três universidades públicas, escolas municipais e estaduais, em um processo de intercâmbio institucional, construído coletivamente, com base em investigações comparativas que subsidiem de modo pleno as políticas públicas e a gestão, visando potencialização e desenvolvimento do desempenho coletivo.

Investigar representações sociais de violência, conhecimento e ensino em professores de escolas públicas, conhecer os operadores sociais construídos para lidar com a problemática e procurar auxiliar as escolas a melhorarem sua rede de relações sociais e o ensino praticado.

3. Método

Do ponto de vista do conhecimento produzido, metodologicamente, a interlocução com Moscovici (2003), Jodelet (2002), Guareschi (1994), Arruda (2000), na Jornada Internacional de Representações Sociais, chamou-nos a atenção para um fenômeno que Abric  denomina “zona muda das representações sociais”, uma região consciente da mente na qual os sujeitos escondem seus preconceitos, estereótipos, enfim tudo aquilo que eles sabem que é “politicamente incorreto” e que não convém expressar naquele grupo e contexto institucional, específico.

Nesse sentido, a “zona muda das representações sociais” na dinâmica escolar refere-se diretamente às criticas ao poder e ao ensino que se pratica. Silenciando-se com relação ao poder e ao processo de transmissão de conhecimentos, a escola não exerce seu papel crítico: as avaliações são simulacros, “tudo vai muito bem [...], mas os alunos continuam a não aprender e a não prestar atenção nas aulas”. Sem avaliação crítica, sem feed-back ou retro-alimentação não se sabe o que está sendo feito de correto e o que poderia ser mudado para melhor; com isso, o que se privilegia é a mera repetição de estruturas e estratégias viciadas, em suas virtudes, em seus defeitos.

4. Procedimento

            Projetou-se um dispositivo de pesquisa, denominado Observatório, que congrega um conjunto de 30 (trinta) professores, voltados para a investigação do fenômeno ‘violência na escola’, em seus aspectos históricos, estruturais, morfológicos e funcionais. Referenciou-se no método de análise das representações sociais, sistematizado por Moscovici, Jodelet, Arruda, Sá, que se baseia na análise das práticas discursivas dos sujeitos na instituição escolar. Como procedimento, foram realizadas 05 (cinco) sessões, de grupos focais com os trinta professores e educadores envolvidos, divididos em dois segmentos de 15 (quinze). Os grupos tinham como tarefa a discussão em torno da temática da violência escolar. 

5. Resultados

A análise das práticas discursivas nos dispositivos grupais aponta para representações de impotência e descrença diante da violência, percebida como inexorável e externa, que, em verdade, materializa-se enquanto atos de indisciplina e rebeldia, significados como vandalismo, banditismo. Estaria ocorrendo, no imaginário escolar, um processo de criminalização de episódios reativos, inerentes à adolescência dos alunos, e esse processo de agravamento das condutas acabam por exigir intervenção policial, desobrigando o coletivo e, especialmente, o professor de sua função educativa.

As queixas recorrentes referem-se à indisciplina e a um pequeno grupo de alunos ”bagunceiros e desrespeitosos”, que conseguem desorganizar a sala de aula e a escola como um todo. Essa representação mostra que o equilíbrio de forças na escola atual é tão tênue que uma pequena minoria pode abalar o sistema como um todo. De acordo com Camacho (1998, p.129), “[...] as tensões podem ser geradas nas relações de obediência às regras impostas ou no confronto com as diferenças culturais, sociais, econômicas e/ou geracionais.”

5.1 Conhecimento da problemática

Os professores demonstram ter conhecimento dos problemas enfrentados pela escola atual e as possíveis alternativas para a situação; dominam detalhes da organização da Secretaria da Educação e a estrutura de poder, da situação da comunidade, das relações entre comunidade e violência, entendida como tráfico, roubos, assaltos.

Marcas discursivas:

[...] a brincadeira deles é montar boca de fumo [...]

[...] o tráfico oferece 100 reais, por semana prum aluno desses [...]

[...] as brigas e gritarias aqui nessa escola é coisa de política [...]

[...] outro dia a professora gritou com um aluno e ele ameaçou ela [...]

[...] precisou chamar a ‘ronda’ [...]

[...] depois que essa merda de PT entrou aqui, ficou essa bagunça [...]

[...] os cargos de direção eram distribuídos entre os vereadores [...]

[...] tem professor aqui que num respeita hierarquia, aconteceu alguma coisa vai direto para a secretaria [...]

[...] a secretária falou assim, ‘você que é daquela escola cheia de pepino [...]

[...] e ali eles criam essas redes de poder, e, então ali o cara é o traficante [...]

 [...] eu morei muito tempo nesse bairro, já tive vários amigos que morreram por causa de droga [...]

[...] eu acho que a gente tem que tentar entender, né, tentar entender essa linguagem da pobreza que é transferida pra dentro da escola [...]

[...] eu sempre procuro assim ajudar e rezar muito [...]

5.2 Consciência em relação à problemática

Os professores parecem ter esclarecimento e noção de seu importante papel dentro desta escola, bem como da instituição educacional, assim como sabem que atitudes tomar frente aos problemas inerentes as instituições que atendem comunidades pobres e carentes.

Marcas discursivas:

[...] Eu acho que é obrigado, sim, se você tá numa rede municipal, tem que se envolver [...]

[...] a gente sabe que tem esse problema, de criança que o pai judia [...]

[...] que você vai ter que enfrentar esse problema, o aluno vem com fome [...]

[...] que você tá lidando com gente que vive que nem bicho [...]

[...] essa região aqui é barra pesada [...]

[...] você trabalha direito e tem esses problemas, de drogas, de brincadeiras de passar a mão [...]

[...] eu acho que você tem que estar ciente do que vai enfrentar uma
pauleira [...]

[...] é problema seu sim, é problema seu sim escutar isso [...]

[...] eu encaro com naturalidade a questão da violência dentro da escola [...]

[...] dentro da escola tem coisas que nem o santo desconfia [...]

[...] porque não dá pra gente fingir que não existe, que não, que tá fora da escola [...]

5.3. A violência no professor

Os sujeitos descrevem como as coerções e o contato com a agressividade e a violência inerentes à região em que se leciona, afetam o corpo docente na escola e em suas vidas. Apesar deles não terem tido contato direto com a violência ou criminalidade do bairro, a presença e a influência do tráfico e da delinqüência na comunidade afeta direta e indiretamente os professores.

Marcas discursivas:

[...] a gente tinha problemas assim direto com venda de drogas na porta da escola [...]

[...] a gente sabe que tem aluno armado dentro da escola [...]

[...] de ser gozado e xingado, isso acontece direto [...]

[...] mas isto também não significa que gente não tenha o contato direto com a violência [...]

[...] cheguei a ter pânico da sala de aula [...]

[...] dizer que ele tá andando com arma [...]

[...] eles querem meter medo na gente [...]

[...] a violência é a forma que eles tem de impor respeito e limites do professor, com eles, né?

[...] eles vivem cantando, contando, cantando músicas que vai matar o professor, e também o diretor, é a forma que eles tem de agredir a gente [...]

5.4 A violência e os alunos

Os docentes consideram os alunos como vítimas da violência, ainda que vislumbrem a possibilidade de eles se tornarem também agentes, o que denota uma representação implícita da gênese da violência. Uma das formas desta violência atingir os alunos é pelo recrutamento de mão-de-obra para o tráfico; uma outra é o efeito colateral de se viver num bairro dominado pelo tráfico e delinqüência. Acaba acontecendo algum episódio de violência, mesmo que não se tenha envolvimento direto com a criminalidade, pois a ação policial indiscriminada, e a guerra entre bandos pelo domínio do comércio de drogas, que acaba atingindo a todos. Isto, segundo os professores entrevistados, acaba por gerar os comportamentos considerados de indisciplina em relação ao curso normal de um dia de aula, pois as cenas de agressividade são relatadas e repetidas exaustivamente; os conteúdos das brincadeiras dos alunos são relativas ao crime e a polícia. Um outro fato denunciante da influência do crime e tráfico, no cotidiano dos alunos é a identificação de alguns desses, com o traficante que domina o bairro. Assim o vislumbre de “uma vida melhor, ou, pelo menos, ou até quem sabe, desfrutar de uma posição social respeitosa dentro da comunidade”, passa por uma certa delinqüência.

Marcas discursivas:

[...] eles descrevem as armas, o funcionamento das boca [...]

[...] eles falam do envolvimento deles, de pais e de parentes [...]

[...] a gente já teve casos de alunos que veio da FEBEM para esta escola [...]

[...] tivemos o caso de um pai de aluno que até faleceu agora no início do ano que tava envolvido [...]

[...] tem toda uma ação policial, eles contam que tão sofrendo isso na pele, que a polícia chega e vai dando geral [...]

[...] com batida policial, eles ficam muito mais agressivos quando acontece este tipo de, desse tipo de problema quem acaba levando é a comunidade [...]

 [...] tudo o que acontece na vila deles, eles reproduzem, eles chegam assim pro recreio, pra qualquer coisa, imitando que tá segurando arma, que tá correndo os becos do mocó, então o colégio é o espaço que ele transfere, o que acontece na favela, ele cria lá também na escola [...]

[...] aquele grupinho, se identifica completamente com a criminalidade [...]

 [...] eles querem ter o poder, eles querem pegar a, a menininha lá
bonitinha [...]

[...] para eles tendo mulher, drogas e dinheiro [...]

6. Considerações finais

Através das análises dos enunciados de agentes educacionais, pudemos delinear alguns fatores cruciais relacionados com a representação social de violência. A desestruturação da família e a falta de perspectivas futuras são invariavelmente consideradas como possíveis origens da violência. De modo secundário, o abandono da comunidade pelo poder público e a estrutura da instituição escola, contribuem também para originar e manter o estado atual de violência. Estas concepções são corroboradas por outros trabalhos com grupos igualmente carentes e por teorias psicológicas recentes sobre a violência.

A observação das reuniões de professores, as respostas aos questionários e as práticas discursivas indicam que o que o professor representa como violência não é o mesmo que o aluno. Ocorrem freqüentes associações nas práticas discursivas de professores, entre atos de indisciplina e delinqüência, indicando um processo de criminalização de episódios de rebeldia adolescente. Por outro lado, os alunos não consideram a escola violenta, na medida em que “nela não há homicídios, seqüestros, assaltos, agressões graves” e queixam-se da falta de autoridade da escola para lidar com os alunos indisciplinados e desorganizadores. Por outro lado, enquanto os alunos se reconhecem como implicados nos episódios de violência, os professores atribuem o fenômeno a fatores externos a eles, como a família desorganizada, o crime e o tráfico de drogas, não estabelecendo qualquer relação entre agressividade e condições de ensino.

O problema da violência é externo à prática pedagógica, de fora para dentro, tendo como agente reprodutor uma minoria; é o aluno que não aprende e perturba o andamento da aula.  A discriminação dos fatores potencialmente aliados, como uma aula mais motivante e interessante, pouco ocorre.  A neutralização da violência por meio de mecanismos preventivos raramente é pensada, levando a crer que a mesma continuará a ser fator constitutivo do cotidiano escolar. As representações de violência são constituídas sem uma mediação do coletivo, o que implica fragmentação, defesas individuais e ausência de perspectiva do enfrentamento coletivo.

  As representações de violência estão associadas a ocorrências de: destruição do patrimônio escolar; artefatos explosivos, geralmente em banheiros; desrespeito e zombaria à figura de autoridade, bem como às regras; violência no campo moral, através de palavras e termos de baixo calão; agressividade física e direta. b) Em escolas, onde a gestão e direção são frágeis ou ausentes, os professores abdicam do manejo, da gestão do ensino e diante da impotência pedagógica, desânimo e desgaste mental, na sala de aula acaba por predominar um clima ‘dominado pelos alunos’. c) Em escolas com direção autoritária e centralizadora, não ocorrem episódios graves de indisciplina e violência, mas violência simbólica, crueldade associada a fins idealistas, intensa produção de doenças psicossomáticas, que redundam em faltas e licenças médicas. d) os professores não vislumbram possibilidades de superar a atual situação de violência escolar, representam-na como inexorável, inerente aos tempos atuais de criminalidade crescente, deterioração da autoridade e instituição pública. 

Referências

ABRAMAVOY, M. Violência nas escolas. Brasília: Unesco, 2002.

Arruda, A. Mudança e representação social. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v.3, n.8, p.241-247, 2000.

ARTAUD, A. O teatro da crueldade. Rio de Janeiro: Perspectiva, 1990.

BOAVENTURA, S. Princípios para uma ciência pós-moderna. São Paulo: Edusp, 2000

Camacho, L. As sutilezas das faces da violência nas práticas escolares de adolescentes. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.1, p.123-140, 1998.

Debarbieux, E. A violência na escola francesa: 30 anos de construção social do objeto. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.1, p.163-193, 1997.

GIRARD, R. A violência e o sagrado. São Paulo: Edunesp, 1991.

Guareschi, P. et al. Textos em representações sociais. Petrópolis: Vozes, 1994.

Jodelet, D. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.). Representações sociais. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2002. v.1, p.17-44.

LEVY, P. Cibercultura. São Paulo: 34, 2001.

Moscovici, S. Representações sociais. Rio de Janeiro: Vozes, 2003.

PATTO, M. Introdução à psicologia escolar. São Paulo: T.A. Queiroz, 1987.

PICHON-RIVIÈRE, E. O processo grupal. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

Sposito, M. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.27, n.1, p.87-103, 2001.



[1] Docente dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia, da FFCLRP-USP Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da USP de Ribeirão Preto. skodato@ffclrp.usp.br

[2] Professor Doutor, da FFCLRP-USP. masantos@ffclrp.usp.br

[3] Professor Doutor, da FFCLRP-USP. antandras@ffclrp.usp.br