História da Informática em Saúde no Brasil
Renato M.E. Sabbatini
A informática aplicada à medicina entrou no Brasil com
um certo atraso em relação aos EUA e Europa. No início
da década dos 70s, teve início simultaneamente em alguns
centros universitários, principalmente no Hospital da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Instituto do Coração
e nos Hospitais das Clínicas da USP em São Paulo e Ribeirão
Preto. Um professor da UFRJ, Luiz Carlos Lobo, trouxe na época
o MUMPS para o Brasil e fundou o Núcleo de Tecnologia de Educação
em Saúde, que iniciou pioneiramente a aplicação de
minicomputadores Digital PDP-11 em sistemas de apoio ao ensino. No hospital
da UFRJ, grupos de pesquisa do Núcleo de Processamento de Dados
e da COPPE desenvolveram os primeiros sistemas baseados em microcomputadores
(entre eles um sistema de controle de farmácia), e no InCor foram
importados vários minicomputadores Hewlett-Packard e montados os
primeiros sistemas de monitoração fisiológica digital
e de apoio aos testes hemodinâmicos do país, em 1976. Esse
esforço deu origem à Coordenadoria de Informática
Médica, atualmente um dos grupos de maior expressão do país,
fundado e dirigido pelo Dr. Candido Pinto de Melo. Em Ribeirão
Preto surgiram grupos biomédicos (genética, fisiologia e
hemodinâmica) que passaram a usar computadores HP, e no Departamento
de Fisiologia, Renato Sabbatini e colaboradores deram início às
primeiras aplicações na análise de dados fisiológicos,
simulações aplicadas ao ensino e pesquisa e bancos de dados,
a partir de 1972, utilizando os primeiros microcomputadores e calculadoras
programáveis que estavam sendo comercializados no país.
O desenvolvimento da Informática em Saúde brasileira passou
por um grande ímpeto a partir de 1983, com a criação
de novos grupos especificamente dedicados à esta área de
pesquisa e ensino. No Rio Grande do Sul, a Dra. Mariza Klück Stumpf
fundou o primeiro curso de informática voltado para alunos e pós-graduandos
de medicina, em 1982. O Dr. Renato Sabbatini fundou o Núcleo de
Informática Biomédica da UNICAMP, em Campinas, em 1983,
e o Dr. Roberto Jaime Rodrigues foi pioneiro no estabelecimento de um
laboratório de ensino no Hospital das Clínicas da USP, em
colaboração com o programa de Pós-Graduação
em Administração Hospitalar (PROAHSA) da Escola de Administração
de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, de São
Paulo (FGV). Em 1984 e 1988, respectivamente, foram iniciados os grupos
de pesquisa e docência da Faculdade de Medicina da USP (Disciplina
de Informática Médica, com os Profs. Gyorgyi Böhm,
Eduardo Massad e Miguel Nicolelis) e da Escola Paulista de Medicina (Centro
de Informática em Saúde, com os Profs. Daniel Sigulem, Meide
Anção e outros). No Instituto de Cardiologia do Rio Grande
do Sul, destacou-se também a Dra. Beatriz Leão, a partir
de 1982, a qual posteriormente tornou-se docente da UFRGS e do CIS/EPM.
A informática no complexo hospitalar da USP teve início
em 1975, com a PRODESP (Companhia de Processamento de Dados de São
Paulo), que instalou computadores de grande porte e centenas de terminais
em vários hospitais do sistema), e que por muitos anos foi o maior
sistema da América Latina. A informatização desses
hospitais prosseguiu através de sistemas próprios, atualmente
sob a liderança do Dr. Lincoln de Assis Moura Jr., um engenheiro
biomédico ligado ao InCor.
O divisor de águas da Informática em Saúde nacional
ocorreu em 1986. O primeiro reconhecimento do grau de desenvolvimento
nacional na área deu-se em um seminário realizado em Informática
em Saúde em Brasília, por iniciativa do Ministério
da Saúde. Os pesquisadores presentes resolveram então se
organizar e fundaram em novembro de 1986 a Sociedade Brasileira de Informática
em Saúde, durante o I Congresso Brasileiro de Informática
em Saúde, presidido pelo Dr. Renato Sabbatini.
Esta sociedade tornou-se o foco principal da atividade profissional brasileira
na área, organizando sucessivamente diversos congressos nacionais,
regionais e especializados, como o II, III, IV e V Congressos Brasileiros,
entre 1988 e 1996, um Simpósio Internacional (em Porto Alegre),
quatro congressos de Informática em Enfermagem, congressos de aplicação
em educação médica, biologia e odontologia, informática
hospitalar, prontuário eletrônico do paciente, e inúmeros
cursos e outros eventos acadêmicos. Conjuntamente com outras sociedades
irmãs, entre as quais a Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica,
participa desde então do Fórum Nacional de Ciência
e Tecnologia em Saúde (FNCTS).
Foram presidentes da SBIS, sucessivamente, Roberto Jaime Rodrigues, Renato
Sabbatini, Daniel Sigulem, Mariza K. Stumpf, Umberto Tachinardi e Beatriz
Leão. Durante a gestão de Renato Sabbatini, a SBIS se filiou
à International Association of Medical Informatics (IMIA) e passou
a participar em nível significativo dos vários congressos
mundiais, como o Medinfo, realizado pela IMIA, e o SCAMC, realizado pela
congênere americana. Atualmente, diversos grupos brasileiros têm
presença internacional e colaboram com órgãos internacionais,
como a IMIA, a OMS, a OPAS, o BID, e outros.
Em 1988, o governo federal, através do CNPq, SEI e outros, efetuou
um estudo, envolvendo dezenas de colaboradores, visando um Plano Nacional
de Desenvolvimento da Informática em Saúde (que, infelizmente,
acabou engavetado). A SBIS produziu também o primeiro "Quem
é Quem na Informática em Saúde no Brasil". Atualmente
a SBIS e vários centros de pesquisa desenvolvem programas de colaboração
com o MS (DATASUS) visando padronização de componentes e
linguagens, estabelecimento do Cartão de Saúde e outros.
Mais recentemente, também, vários centros de pesquisa em
informática em saúde se envolveram com projetos na Internet,
dentre as quais se destacam o Projeto Lampada (UERJ), os projetos Hospital
Virtual Brasileiro, e*pub, Hospital Veterinário Virtual Brasileiro,
etc., do NIB/UNICAMP, e a Universidade Virtual do CIS/EPM. Em 1995 foi
criado e dirigido por Renato Sabbatini o Grupo Temático de Medicina
e Saúde, do Comitê Gestor da Internet Brasil, o qual posteriormente
passou a ser dirigido por Umberto Tachinardi.
Com relação às publicações, a primeira
revista do gênero foi fundada por Renato Sabbatini e José
Raimundo Sica, em 1986, e se intitulava "Revista Brasileira de Informática
em Saúde". Foi editada até 1988 e reiniciada brevemente
alguns anos depois, pelo Dr. Sica. Em 1993, o Núcleo de Informática
Biomédica deu início à revista Informédica,
publicada durante dois anos e meio com o apoio dos Laboratórios
Biosintética, e que reiniciou publicação em janeiro
de 1998, com o novo nome de Revista "Informática Médica".
Informédica foi também a primeira revista eletrônica
de informática médica da América Latina. A partir
do segundo semestre de 1997, o NIB também passou a publicar (em
versões impressa e na Internet) a revista especializada em Internet
e Medicina chamada Intermedic, que também foi a primeira publicação
brasileira na área, em versão bilingue (inglês e português).
Atualmente estas são as únicas publicações
regulares brasileiras em informática em saúde, além
da SBIS Newsletter (que existe apenas em versão on-line) e dos
Cadernos de Engenharia Biomédica da SBEB.
Finalmente devemos notar que alguns poucos centros de excelência
brasileiros montaram programas de treinamento e educação,
em vários níveis. A disciplina de informática aplicada
à saúde foi introduzida em diversas faculdades a partir
de 1982, como na UFRGS, USP, USP-Ribeirão Preto, EPM, FCM/UNICAMP,
UFPE, UFPR, UERJ, UFRJ e outras; em nível de graduação
e pós-graduação. Alguns centros oferecem programas
de mestrado e doutorado em associação com outras áreas
de concentração, principalmente engenharia biomédica
(UFRJ, UFSC, USP, UNICAMP, UFPB, PUC-PR e outras). Um dos fatores importantes
na disseminação da informática em saúde em
entidades universitárias foi a realização, por oito
anos consecutivos, do Curso de Verão de Capacitação
Docente em Informática em Saúde, realizado pelo NIB e pela
Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, o qual formou cerca
de 140 professores.